Foram quatro dias de intensa programação na segunda edição do Global Forum – Fronteiras da saúde para debater e propor soluções pautadas nas inter-relações dos setores de saúde, tecnologia e economia
A segunda edição do “Global Forum – Fronteiras da Saúde” que aconteceu entre os dias 4 e 7 de novembro em formato online, realizada em duas salas de atividade, trouxe para o centro da discussão questões relacionadas à inovação em saúde, bem como outros desdobramentos pertinentes, entre eles: transformação digital, integração e gestão entre os sistemas de saúde pública e suplementar, economia e financiamento. Promovido pelo instituto Lado a Lado pela Vida, o evento reuniu 56 convidados nacionais entre representantes do poder público e de instituições privadas, contando com a participação de 4 convidados internacionais com palestras de pesquisadores da Harvard University e economistas europeus.
Além das amplas discussões sobre o setor da saúde, parte da conferência foi dedicada às tratativas de temas relativos à Covid-19, os impactos mundiais da pandemia, as ações para o enfrentamento à disseminação do coronavírus em espectro global e também, avaliações feitas com base na vulnerabilidade de países ricos e em subdesenvolvimento com vistas à mitigação de futuros problemas.
Marlene Oliveira, presidente do Instituto Lado a Lado pela Vida e idealizadora do Global Forum, fez seu discurso de abertura onde ressaltou o propósito do evento que é o de promover o engajamento dos distintos atores dos setores da saúde e da economia, motivá-los a sair do plano das discussões e atuar na busca de soluções para melhorar a saúde no Brasil. “Este ano, fomos tragados pelo tsunami da pandemia do novo coronavírus e cá estamos. Em um ano onde a saúde mostrou o seu poder de paralisar tudo indicando que se não dermos a ela a relevância merecida, seremos engolidos por sua força invisível e mutante, capaz de frear a economia”, expôs.
A presidente do Instituto Lado a Lado pela Vida mencionou ainda que se por um lado sente enorme tristeza pelo o avanço das mortes por Covid-19 ao redor do mundo ao longo de todo o ano, sua energia foi potencializada por tomar uma posição assertiva no que se refere à promoção dos debates e do chamamento para a elaboração de propostas que constituem novas alternativas em favor da premente questão da sustentabilidade dos sistemas de saúde. “Temos que fortalecer o nosso Sistema Único de Saúde, nosso SUS. Atuar na gestão, qualificar e treinar sua equipe, avaliando como direcionar investimentos para a inovação na atenção primária”, pontou e esclareceu que é preciso igualmente repensar com urgência o setor da saúde suplementar e suas insuficiências no que tange ao enfrentamento de uma crise de dimensão nacional.
Aula Magna
Redesenhando os sistemas de saúde
Palestrante: Anna van Poucke
Debatedor: Richard House
Concebendo estratégias possíveis
Na aula magna proferida por Anna van Poucke, líder global da área de saúde da KPMG, foram abordados diversos aspectos relativos às mudanças provocadas pela pandemia de Covid-19 nos sistemas de saúde mundiais, bem como o redesenho de estratégias de combate
Os desafios da saúde universal, como serão os sistemas de saúde no futuro? A doutora Anna van Poucke, líder global da área de saúde da KPMG, trouxe em sua aula magna apontamentos sobre as diferenças dos sistemas de saúde mundiais e suas demandas. No Brasil, de acordo com Anna, a população está envelhecendo assim como o mundo ocidental e com o aumento de idosos, os sistemas de saúde são altamente exigidos. Outro fator observado no país é o aumento de custos do setor da saúde devido à inflação anterior ao período da pandemia. “A percepção quanto à força de trabalho é que ela não está bem distribuída. Temos em alguns estados muitos médicos e enfermeiros, mas em estados como o Maranhão e também na região Norte, a contingência não atende à população”, avalia.
A líder global da área de saúde da KPMG, considera que já existia uma crise na área de saúde mundial antes da pandemia e que sua chegada apenas agravou esse contexto. Em meio à segunda onda gerada pela pandemia de Covid-19, Anna ressalta que depois de conseguirem atravessar a primeira onda na primavera europeia, com severos lockdowns, aumento da capacidade hospitalar e verbas destinadas para esta especificidade que contribuíram para a diminuição no número de infecções, o que pode ser observado foi que ao reduzir as restrições impostas pelo lockdown, foi percebido um novo aumento no número de casos de Covid-19. “Na Europa ocidental, muitos países estão voltando à situação de lockdown e o que esperamos para 2021 são novas ondas, até que possamos ter as vacinas para gerenciar esta crise”, acrescenta.
E o que isso significa para a área da saúde? Na visão de Anna, é preciso lidar com dois tipos de desafios: um se refere às estratégias de confinamento e está relacionado aos testes e abordagens baseadas na população e o outro se refere à frequência dessas ondas e o que isso representa para a saúde. “Na KPMG, nós entregamos projetos durante a crise em mais de 24 países. O que fizemos foi olhar para o que está acontecendo nos sistemas de saúde e onde eles tiveram sucesso”, argumenta.
Cinco elementos foram considerados pela análise: novos modelos de cuidados, novas entregas digitas, agilidade da força-tarefa de trabalho, resiliências operacional e financeira. Há uma clara percepção sobre o crescimento das entregas digitais durante a crise de Covid-19, vários sistemas de saúde cruzaram fronteiras fazendo-se mais atuantes, por exemplo, como a telemedicina que evitou a ida e exposição de pacientes em consultas presenciais. “Vimos que de modo global, essa digitalização subiu de 300% para 700% em vários países, demonstrando que a entrega digital veio para ficar”, comenta Anna. A segunda prioridade diz respeito a se ter uma força de trabalho mais ágil, com maior flexibilidade no uso das competências e menos burocracias no exercício de suas funções. “Os hospitais Nightingale [em Londres] que foram feitos durante a crise, são bons exemplos disso, pois eles organizaram de um jeito novo suas rotinas de trabalho, aumentando a proporção de enfermeiros na UTI de um para seis”.
O jornalista inglês, colunista e voluntário do Instituto Lado a Lado pela Vida, Richard House, também foi convidado a debater com Anna van Poucke sobre os fatores do redesenho dos sistemas de saúde considerando a realidade brasileira e fez observações quanto ao conteúdo apresentado por ela. “A maior parte dos casos trazidos ao conhecimento do público dizia respeito a economias mais avançadas como a Holanda, Finlândia e os territórios britânicos. A pergunta é: será que vai funcionar no Brasil?”, indagou. A líder global da área de saúde da KPMG esclareceu dizendo que existe um trabalho que também é feito nos países em desenvolvimento e que o redesenho passa a ser mais valioso em nações com menor progresso econômico. “A beleza desse redesenho dos sistemas de saúde é poder criar vários serviços próximos aos pacientes, tornando assim a atenção primária mais disponível para a população”, disse.
No Brasil, segundo Anna, seria necessária a integração de governos federal, estadual e de seguradoras para impedir a fragmentação das diretrizes que permitem o redesenho adequado às demandas locais. “Isso significa uma mudança cultural? Sim. É claro que significa”. House fez considerações sobre a situação da Covid-19 no Brasil alertando que no país, vivemos uma fase de repouso com a passagem da primeira onda de casos e mortes, mas que o ciclo que pode caracterizar uma segunda onda possivelmente estaria de volta em março, abril e maio do próximo ano devido à aproximação do inverno. “Partindo do fato que o Brasil não tem a infraestrutura de países como a Holanda, por exemplo, e nem a vontade política nas várias esferas do poder para impor lockdowns efetivos, como o país pode se inserir nesse ciclo virtuoso de resiliência, recuperação e de uma nova realidade?”, questionou. “É realmente uma questão muito difícil, se eu tivesse as respostas seria uma heroína”, disse Anna.
Ela continuou sua explanação afirmando que, na Holanda, o aumento de casos de Covid-19 relativos à segunda onda estava relacionado à fatores comportamentais, como o de pessoas que não estavam seguindo as normas recomendadas. “É preciso dar foco ao desafio comportamental, sei que é realmente muito difícil. É fácil dizer para fazer lockdown, manter distanciamento social e trabalho remoto ao passo que também é difícil viver em uma área onde é preciso, inevitavelmente, sair para o ganha-pão diário”, ponderou.