Como fica o futuro da saúde em um mundo pós-pandêmico?
A pandemia vai passar, isso é fato, e quando esse período ficar para história, quais os aprendizados que poderemos incorporar ao nosso sistema e quais sucessos poderão ser creditados ao período?
Ainda que no momento tenhamos muito mais a lamentar é inegável que a história registrará esse período como um grande divisor de águas e durante o primeiro painel de debates do Global Forum - Fronteiras da Saúde os participantes levantaram quais foram as grandes lições para um novo período pós-pandêmico.
Comunicação e fake news
Para Marlene Oliveira, presidente do Instituto Lado a Lado, ver, em plena pandemia, uma baixa adesão às vacinas e doenças que estavam prestes a sumir do nosso mapa voltando é lamentável e ela credita isso à falta de investimento brasileiro em comunicação e informação para combater as fake news.
Mas Rosana Richtman, infectologista e doutora em medicina pela Universidade de Freiburg, revela que o povo acredita nas vacinas. Para o tamanho do Brasil, ter 71% da população já tendo tomado pelo menos uma dose da vacina contra covid é um grande ganho. “Claro que existe um vácuo para a segunda dose, mas estamos chegando lá. Nosso Plano Nacional de Imunização é invejado no mundo todo e as doenças voltam pela falta de percepção do risco que fazem as pessoas não irem mais atrás das vacinas”, declara.
Embora estejamos em plena campanha de vacinação, não vemos a informação circulando. Para a infectologista, a população precisa ser avisada, porque a queda na cobertura vacinal vem desde 2016. “Precisa ser uma comunicação fácil. A difteria está rondando o Brasil e a cobertura vacinal está baixando”, alerta.
Quando Diogo Sponchiato, editor da Revista Veja Saúde, convidado para moderar esse painel, provoca os debatedores com a questão do como convencer as pessoas a se engajarem em algum programa, Rosana usa novamente a questão da vacinação: “não é como convencer, mas sim conversar com as pessoas. Só a ignorância, no sentido de desconhecimento, leva uma mãe a não ir vacinar seu filho”.
No quesito da comunicação, Reitan Ribeiro, Diretor Científico da Sociedade Brasileira de Cirurgia Oncológica (SBCO) declarou que precisamos aprender a nos comunicarmos melhor e que a ciência falhou nesse ponto. “É inacreditável ainda termos de ouvir que a Terra é plana e duvidar da eficácia das vacinas”, declara.
Por isso, o médico acredita que como a comunicação mudou muito precisamos aprender a usar essas mudanças. A nova geração pensa em conveniência. “Quando a vacinação para HPV era nas escolas, a cobertura era alta.”
“As fake news são baseadas em desespero. Onde a ciência falha em explicar, abre-se o campo para as fake news usando aspectos emocionais”, explica a infectologista Luana Araújo, infectologista e mestre em Saúde Pública pela Universidade Johns Hopkins. Para ela, é fundamental ser mais inteligente no uso das ferramentas de comunicação, porque as pessoas querem saber qual é a informação correta.
E por fim, Marlene usou como exemplo a comunicação empregada no LAL para as populações rurais e periféricas, onde é preciso traduzir a informação. “E, também, não adianta a campanha ter hora para começar e terminar. Ela tem que ser constante, atuação no ano inteiro”, reflete.
A ciência invadindo as casas
Segundo Luana Araujo, não existe medicina e saúde pública sem pessoas e no Brasil isso foi feito por muito tempo. “Essa não é a última epidemia que enfrentaremos e o maior ganho foi o fato de que a ciência invadiu as discussões e a casa das pessoas”, declarou para o editor da Revista Veja Saúde.
Há uma integração entre o homem e a natureza que é fundamental. Nos países desenvolvidos são as doenças crônicas o maior problema, entretanto são os pacientes das doenças crônicas os mais vulneráveis à covid-19 que, por sua vez, vai causar doenças com condições crônicas, como um círculo vicioso e já estamos atrasados em falar de pós-pandemia e como vamos lidar com uma geração de pessoas que terá problemas em decorrência da covid-19.
Apesar das doenças crônicas, o Brasil tem um problema gravíssimo de doenças infecciosas e ainda olhamos isso com preconceito, por isso a pandemia é uma oportunidade de desenvolvimento.
Para Rosana temos que olhar de forma positiva: o cientista brasileiro teve uma expressão que nunca havia encontrado na sociedade e o Brasil desenvolveu e participou de diversos estudos, embora com cada vez mais cortes de verbas e necessidade orçamentária.
“O Brasil precisa investir em pesquisa e entender que pesquisa é saúde pública também”, afirma Reitan, que destaca que fica como lição do pós-pandemia a necessidade de fortalecer as instituições e evitar a politização da saúde e da ciência.
A importância da saúde básica
Dra. Luana ressaltou que o Brasil, por ter uma estratégia de saúde primária, poderia estar mais preparado para lidar com a pandemia, mas agimos errado e jogamos o atendimento para os hospitais, sobrecarregando o sistema. “O posto de saúde é a base do SUS e deve ser fortalecido para não desperdiçarmos dinheiro, recursos humanos e vidas”, alerta.
A ex-senadora e secretária de relações federativas e internacionais do Rio Grande do Sul, Ana Amélia Lemos destacou como um saldo positivo a atuação dos municípios e Estados na condução da pandemia. “Se não fossem eles, não teríamos a situação de vacinação que temos hoje”, afirma.
Esse também foi o ponto levantado pelo deputado federal Pedro Westphalen, que citou a importância da independência das unidades federativas em algumas questões como a compra de medicamentos. Mas ainda destacou que o legado é a constatação da importância do SUS e a interação com o sistema suplementar de saúde. Mas o deputado alerta: “é preciso ter estabilidade no Ministério da Saúde. Não dá pra ter política de saúde com tantas trocas de ministros!”.
Fato com o qual concorda o dr. Reitan, que afirma que é preciso consultar o técnico e ter um planejamento de longo prazo.
Tecnologias
Para Westphalen é preciso também destacar alguns avanços como o uso da telemedicina, que há muitos anos vinha sendo debatida, sem sucesso e que a pandemia tirou definitivamente do papel e que agora precisa de regulamentação para seguir seu caminho.
“Além disso, precisamos olhar o país, que é muito diverso, para melhorar a condição da assistência. Dar instrumentos e condição financeira para os hospitais”, declarou o deputado.
Mas nem tudo são ganhos. A dra. Rosana lembra que é importante que as pessoas entendam que a covid precisa de vacina. “Nunca vi tanta interferência tóxica em um cenário, vinda da política! É importante reforçar que o que eu faço, individualmente, reflete na saúde de todos”, desabafa.
Entre as perdas da pandemia, dr. Reitan menciona a situação grave em relação ao câncer, doenças cardiovasculares e a saúde mental, que foram negligenciados no período e que tiveram um agravamento sensível. “É evidente o aumento de casos de câncer avançado” informa.
A falta de gestão e de recursos financeiros foi levantada tanto pelo deputado Westphalen, como pela ex-senadora, que ainda falou sobre os problemas na gestão do dinheiro e qualidade do gasto.